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A tecnologia está roubando a nossa atenção, até nos exercícios

A economia da atenção chegou em todos os lugares. Em um ambiente caracterizado pela infodemia, a atenção humana é um recurso valiosíssimo. Pessoas e empresas buscam retê-la a absolutamente qualquer custo, pois ela é uma mercadoria que dará retorno. 

A competição pela atenção é desleal e deve trazer consequências graves aos humanos, uma vez que está instaurada em diversas áreas. Hoje vamos olhar para como a tecnologia está roubando a nossa atenção até nos exercícios físicos e como encontrar uma saída.

O roubo da atenção

O melhor livro que li no ano de 2023 foi a obra “Foco Roubado” de Yohann Hari. A leitura dessa obra foi uma busca esperançosa de reduzir o uso do celular e melhorar o uso do meu tempo – outro recurso limitado que temos. Para mim, valeu a pena. Hari escancara como a internet, os smartphones e as redes sociais estão roubando nossa atenção, sendo que somos manipulados digitalmente. 

O documentário “O Dilema das Redes” na Netflix também retrata tal manipulação, fruto da incessante busca por lucro pelas Big Techs. O que senti na pele é que não basta apenas conscientização sobre o assunto para conseguirmos mudar o comportamento pessoal, como decidir utilizar o celular menos horas por dia e esperar ter os olhos menos vidrados na tela. 

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O uso excessivo da tecnologia pode acabar prejudicando seu foco na hora do treino. (Fonte: Getty Images)

Treinar: uma performance digital

O esporte-espetáculo tem seu legado traduzido no fitness-espetáculo. A bajulação pelos dispositivos fitness não nos permite apreciar o momento, que pode ser raro na correria do dia a dia. Como o mercado da corrida de rua – modalidade em alta no momento, em que os gadgets vibram e mostram luzes quando alguma meta é estabelecida.         
 

O roubo da atenção é constante – antes, durante e depois dos exercícios. 

A experiência de exercício está deixando de ser sentida, para ser postada. O comportamento das pessoas nos ambientes de exercício, como academias, chega a ser bizarro, pois é extremamente movido por razões externas. Muitos estabelecimentos como academias têm tripés disponíveis para que os praticantes utilizem durante o treino, filmando seus exercícios.         

O smartphone é companhia indissociável, como a toalha era antigamente. O aparelho traz distração constante, uma vez que é consultado a cada período mínimo de descanso entre as séries de musculação, a sequela é a redução da consciência corporal e distância do verdadeiro prazer do exercício.         

Chegamos ao auge do falso mundo fitness quando existe um aplicativo (Fake My Run) para simular treinos, sendo possível desenhar o trajeto no mapa e incluir as características da corrida ou ciclismo, tendo ao final, uma imagem do tipo STRAVA criada, para ser compartilhada nas redes sociais. Isso sem sair do sofá, mas com um custo: 0,42 dólares por treino fake.  

Apesar da pressão que virou ser um praticante de exercícios na sociedade atual, ser do contra é não levar o celular para o treino. As métricas podem nos ajudar na motivação para exercícios, mas soltar um pouco a cultura da produtividade pode ser saudável. É se desligar do mundo virtual, para desfrutar do momento e do movimento. 

O foco da atenção no movimento corporal pode ser um refúgio do acelerado ritmo das redes sociais. Mas como conseguir isso?

A rara experiência do flow no exercício físico 

Desfrutar do JOMO (Joy of Missing Out) – expressão que significa “alegria de estar por fora”, é uma possibilidade no exercício físico. Contrastante com o FOMO (Fear of Missing Out) que acomete as pessoas, gerando medo de estar desatualizado frente ao mundo digital, essa não é uma tarefa fácil.      

Mas é possível. Experienciar o flow (fluxo) significa viver um estado psicológico intrinsecamente recompensador, caracterizado pela imersão completa em uma tarefa e uma sensação de que tudo está se encaixando.    

A atividade é tão alegre e envolvente que as pessoas querem fazê-la por si só. Para isso, é preciso escolher uma modalidade de exercícios ou esporte envolvente, que gere uma oportunidade de movimento com um equilíbrio entre desafio e a sua habilidade.

Tripés com smartphones são a nova realidade em alguma academias, o que leva a reflexão se estamos treinando por bem-estar ou para publicar nas redes sociais. (Fonte: Getty Images)

Em caso de muita habilidade e baixo desafio, o tédio pode ser consequência. Em caso de baixa habilidade e alto desafio, a ansiedade pode ser consequência, como um surfista iniciante que se aventura em um mar agitado.

Exercícios físicos são momentos de consciência corporal e para desfrutar da experiência por completo é preciso estar presente no presente. Deixe seu celular um pouco de lado e aproveite.   

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Fábio Dominski é doutor em Ciências do Movimento Humano e graduado em Educação Física pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). É Professor universitário e pesquisador do Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício (LAPE/UDESC). Faz divulgação científica nas redes sociais e em podcast disponível no Spotify. Autor do livro Exercício Físico e Ciência – Fatos e Mitos.

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